quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Imagens da guerra ao tráfico – Bernardo Ricupero

Imagens da guerra ao tráfico

POR BERNARDO RICUPERO . 07.12.10 - 18H35

“O Globo”, do dia 26 de novembro, anunciou: o “dia D” na “Guerra ao Trafico” chegou. Quase todas as páginas restantes da edição esclareciam que, no dia anterior, a retomada pela polícia da Vila Cruzeiro do controle do tráfico equivalia ao desembarque das tropas aliadas na Normandia, durante a 2ª Guerra Mundial. Ou seja, se vivêssemos numa guerra, teríamos chegado ao momento decisivo.
Declarações amplamente divulgadas, como a do policial que afirmou que “a comunidade da Vila Cruzeiro pertence ao Estado”, seguiram o mesmo tom bélico. Curiosamente, as imagens dos “soldados do táafico”, na verdade rapazes maltrapilhos, quase todos negros, fugindo para o Complexo do Alemão deram outro tom ao confronto militar. Ou melhor, indicavam que os reais comandantes do trafico não se encontravam lá, até porque provavelmente não morem na Vila Cruzeiro e nas demais favelas cariocas.
Mas se a linguagem já era militar, não se precisou esperar muito para que a “guerra” assumisse uma dimensão ainda maior. No domingo, dia (28/11), tropas conjuntas da Polícia Civil, Polícia Militar e do Exército tomaram o “inexpugnável” Complexo do Alemão.
Marcando a conquista, as TVs não cansaram de mostrar as bandeiras do Brasil e do Rio de Janeiro que passaram a tremular no alto do morro. Também essa cena é evocativa da 2ª Guerra, mais precisamente, da fotografia de fuzileiros navais americanos fincando a bandeira de seu país depois da batalha de Iwo Jima. Imagem, como se descobriu posteriormente, que havia sido encenada, conforme mostrou o recente e belo filme de Clint Eastwood sobre o episódio.
Igualmente reveladoras foram as cenas, mais tarde amplamente divulgadas, dos já famosos policiais do Bope preparando-se para a operação no Complexo do Alemão. O batalhão de policiais, visivelmente tenso, ouve a preleção de seu comandante. Este fala em bravura e assuntos parecidos, para terminar, conclamando: “Vamos tacar bomba neles!”.
Em outras palavras, podemos facilmente identificar o que vemos com uma cena de um dos episódios de “Tropa de Elite”. Nessa linha, Eugênio Bucci percebeu bem que os dois filmes nos fornecem boa parte dos recursos narrativos para lidar com a “guerra ao tráfico” que assistimos pela televisão. Coincidentemente, semanas antes da “reconquista” do Complexo do Alemão, a revista “Veja” estampava uma foto do Capitão Nascimento, com a legenda explicativa: “o primeiro super-herói brasileiro”.
Na verdade, as cenas da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão pertencem mais a “Tropa de Elite I” do que a “Tropa de Elite II”, filme mais ambíguo, em que “mocinhos” e “bandidos” se confundem. Isso para não falar da continuação do filme, quando o Capitão Nascimento, já promovido a Coronel, terá como principal alvo as milícias, sobre as quais ainda não se sabe bem que efeitos terá a “guerra ao tráfico”.
Vale, portanto, destacar que se é que está havendo uma “guerra ao tráfico”, um de seus principais fronts, como costuma ocorrer nas guerras modernas, é o das imagens e dos símbolos. A disputa também visa, para falar como o presidente Lyndon Johnson durante a Guerra do Vietnã, conquistar “corações e mentes”.
Não deixa de ser significativa a adesão popular às operações da polícia carioca. Mas, como costuma ocorrer em guerras simbólicas, recorre-se, em grande parte, a simplificações para conseguir apoio. Nesse caso, a principal delas é a identificação da polícia com o bem e os traficantes com o mal. Mais complicada, como têm chamado a atenção especialistas em segurança pública, é a realidade, onde boa parte da polícia é corrupta, o que é mesmo condição para a existência do crime organizado.

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