sábado, 12 de janeiro de 2013

Visão classista e multiculturalista: duas faces da mesma luta pela transformação social

O presente texto consiste num breve relato de minha militância social e política. Ele pretende mostrar que minha trajetória tem sido orientada por duas visões teóricas: a visão classista inspirada no pensamento social socialista; e a visão multiculturalista, na sua versão crítica ou revolucionária.

Há 26 anos eu iniciava uma militância social contra a sociedade capitalista e pela construção de uma sociedade socialista. Nesse período participei de lutas por moradia, por terra, por melhorias nos bairros, por reajustes salariais, contra a corrupção, contra a discriminação racial, por políticas públicas de igualdade etnorracial.

Essa militância ocorreu devido à tomada de consciência que ocorreu num contexto de redemocratização no Brasil e contém diversos elementos que se combinam. Quero destacar duas perspectivas desse processo de conscientização: a consciência de pertencer a uma classe social, a classe trabalhadora; e a consciência de pertencer ao povo afro-brasileiro, escravizado por quase quatro séculos nesse país e superexplorado economicamente e discriminado por apresentar características físicas e culturais em desacordo com o padrão das classes e das culturas dominantes.

A consciência de classe (Visão classista): o trabalhador

Nasci numa família de trabalhadores rurais. Nasci em Itamaracá, pequena cidade do Norte do Paraná, na casa de minha avó (Dona Maria). Mas a casa onde meus pais moravam ficava na Fazenda São Luis em Bandeirantes. Meu pai, Francisco, mais conhecido como Chiquinho, trabalhou em diversos serviços como empregado rural: na lavoura de café, plantando, cuidando e colhendo; na lavoura de cana, fazendo a mesma coisa; no plantio de diversos gêneros alimentícios para garantir a sobrevivência da família que crescia a cada ano (somos sete irmãos). Com o tempo meu pai aprendeu a ser tratorista e depois motorista, função que exerceu até o fim de sua vida, aos 50 anos, em 1988. Também fui trabalhador rural, trabalhador doméstico (caseiro), escriturário, bancário e funcionário do Poder Judiciário Federal.

A tomada de consciência de classe ocorreu nos anos 80, quando eu estudava no seminário dos freis capuchinhos do Paraná e Santa Catarina. Iniciei meus estudos lá em 1982, em Irati-Pr; em 1985 fui estudar no Seminário de Siqueira Campos; depois, foram dois anos em Ponta Grossa-PR; e alguns meses em Almirante Tamandaré, região metropolitana de Curitiba. O que me fez acordar foram as leituras e os cursos de Filosofia da Libertação (Enrique Dussel) e Teologia da Libertação (Leonardo Boff). Essas leituras me levaram a outras até que cheguei a Karl Marx e Engels, com a leitura de A ideologia alemã, O manifesto do partido comunista, e a obra clássica O Capital. Foi com Marx e Engels que eu entendi como funciona o capitalismo e como se dá o processo de extração da mais valia do trabalhador que gera o lucro do patrão.

Ao confrontar minha história pessoal e familiar com as leituras filosóficas e teológicas e com o pensamento de Marx e Engels, percebi que muito mais que ser padre, o que eu precisava era me posicionar em relação ao modelo de sociedade opressor que havia aqui; que devia me engajar nas lutas pela sua superação e pela construção de uma sociedade onde todos sejam realmente iguais, uma sociedade socialista. Por isso me engajei nas Comunidades Eclesiais de Bases – CEBs, nas Pastorais Sociais (Pastoral da Terra, Pastoral Operária e Pastoral Política), nos movimentos sociais e no Partido dos Trabalhadores.

A consciência Étnica (visão multiculturalista): afro-brasileiro, indígena e o europeu pobre

Nos final dos anos 80 tomei consciência de que sou afro-brasileiro e negro. Tenho antepassados maternos e paternos que foram trazidos da África para servirem de mão de obra nesse país. Essa consciência se deu a partir das leituras da filosofia da libertação, da teologia da libertação, do livro de Abdias Nascimento intitulado Quilombismo, do livro Malcon X, Munanga Kabengele, Pierre Verger, Roger Bastide, dentre outros, e da Campanha da Fraternidade de 1988 que teve como título “A Fraternidade e o Negro”. Entendi que devia me engajar numa luta de valorização do povo negro e de sua cultura, combater o preconceito e a discriminação; e lutar por políticas públicas reparadoras (ações afirmativas, cotas, etc). Então me engajei no Movimento Negro do qual sou integrante até os dias de hoje. Militei na organização Agentes de Pastoral Negros da Igreja Católica a partir de 1987, no Movimento Ginga de Limeira, desde 1988 e nas Comunidades Religiosas de Matriz Africana, principalmente candomblé e umbanda, também a partir de 1988; engajei-me nas lutas pelas reparações para o povo afro-brasileiro devido à escravidão e à marginalidade na qual foi jogado após a abolição; e na luta por políticas de igualdade etnorracial.

Reconheço outras origens étnicas em mim. Minha avó paterna (Júlia) relatava que sua mãe era indígena. Os índios foram e são muito injustiçados nesse país. “Donos” primeiros deste país são tratados como intrusos, como estrangeiros. Também tenho um pezinho na Europa. Meu bisavô materno (Antonio Campezoni) era um trabalhador rural italiano que, como tantos outros, veio para cá “fazer a América”.

Assim, minha luta pelo socialismo tem dois motores: a consciência de classe que impulsiona a lutar por uma sociedade em que os produtores de riqueza sejam também os que dela se apropriam, uma sociedade sem exploradores e sem explorados; e a consciência étnico-cultural de ser afro-brasileiro e de respeito, reconhecimento e valorização da diversidade étnico-cultural existente em nosso país.

(José Benedito de Barros, Mestre em Educação pela Unesp,Rio Claro-SP)

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