terça-feira, 9 de outubro de 2018

Comunidade afro-brasileira: identidade ou travessia?


Comunidade afro-brasileira: identidade ou travessia?

José Benedito de Barros

A tomada de consciência resulta de elaboração de possíveis respostas a perguntas fundamentais, com o fim de nos situarmos no mundo. Quem sou, quem somos: identidade individual e coletiva. Para onde iremos, que mundo construiremos: travessia.
Para tratar desse tema utilizarei. de forma antropofágica (Andrade (1928). os textos de Bidima (1992), Barros (2006), Deleuze (1992), Foucault (2009 e 2010), Evaristo (2014) e o filme Black Panther (2014).

Noção de Identidade (aquilo a partir de que): juntando os cacos da memória, afirmando posições

Identidade, significa o mesmo, o igual; também significa o compartilhamento de um modo de existir, compreendendo, a língua, o território, os costumes, a raça, a cor de um povo.
Quando o sujeito afro-brasileiro pergunta sobre sua identidade, sobre quem é, a resposta imediata pode ser um vazio. Para responder a essa indagação pode ele lançar uma olhar sobre si mesmo, sobre a sua realidade e até mergulhar na história, no passado, na memória, para juntar caquinhos, e fazer uma trabalho de construção ou reconstrução e, finalmente dizer: isso sou eu, minha identidade individual e coletiva, na medida em que compartilho com outros os mesmos cacos: fragmentos de línguas africanas (moleque, cachimbo, catinga, xingo, carimbo, quitanda, axé...), de vestes, de religião, de danças... Mas não é só isso: há memória de saberes, de fazeres... de dores, de sofreres, de múltiplas subjetivações (de assujeitamentos).
De toda forma, a identidade faz com que olhemos para o passado, numa busca pelos fundamentos, pelas origens, por uma ancoragem. Os temas referentes à identidade nos remetem a mundos que só existem na memória, a uma África recriada pela imaginação.

Falar de identidade é falar de essência. Como a constatação é de vazio, de ausência, uma vez que fomos objetivados, principalmente a partir de culturas outras, europeizadas, fala-se muito de resgate. Para tanto, nosso olhar faz uma viagem no tempo e no espaço: para o passado africano. Triste viagem, aliás. O que vem à tona:  colonização, escravização, diáspora, ressentimento, dor, desgraça. As coisas positivas, restam ocultadas. Temas como direito, economia, desenvolvimento, a relação com o outro, não são tratados. Seria possível avançar nesses aspectos? Talvez. Talvez, se pensarmos uma perspectiva de travessia.

Noção de travessia (aquilo por que): Criticando o aqui e agora e partindo para mundos possíveis

Atravessar um território – terra, rio, mar, deserto - é recortá-lo, é ir de um lado a outro, por dentro. Isso supõe disposição para se desapegar, para desassossegar, para sair e partir. Já não se busca o passado; já não se apega aos cacos da memória. O desafio é o aqui e o agora, a imanência, o presente. Esse presente é estudado em suas minucias para se levantar todas a possibilidades, todas as potencialidades e multiplicidades ali presentes. Parte-se daí para novos mundos, novos temas. Partindo-se da realidade, problematizando-a, levantando-se temas a ela pertinentes, pode-se traçar rotas, trajetórias, linhas de fuga, construir o novo, fazer microrrevoluções, subjetivar-se ou construir novos modos de existir, por meio de um trabalho de si sobre si mesmo, saindo de si mesmo e partindo rumo ao desconhecido, ao indeterminado, praticando um nomadismo sem fim, fazendo caminho enquanto se caminha. Na travessia coletiva somos todos malungos (companheiros).

A travessia, por implicar constante movimento, faz com que o sujeito individual e coletivo, trabalhe temas impensados na perspectiva da identidade. Não se busca a origem, a base, mas os devires, os vir-a-ser, o novo. A travessia opera por desterritorialização e reterritorialização. 
Eis alguns temas possíveis de serem trabalhados nessa perspectiva: direito, economia, educação, segurança, saúde, história, geografia, saber, poder, química, física, biologia, tecnologia (Filme Black Panther), alteridade, dentre outras. Ou seja, temas levantados a partir da problematização da realidade atual.

Palavras finais

A partir das breves palavras acima, lanço dois questionamentos para provocar conversas.
Que possibilidades as duas abordagens (identidade e travessia) apresentam para os afro-brasileiros, do ponto de vista individual e coletivo?
Qual das duas abordagens melhor responde aos desafios para construir sociedades possíveis na perspectiva da inclusão de todas as pessoas, sem racismos, sem machismos e outros ismos?

Indicações e Referências Bibliográficas

ANDRADE, Oswaldo de. Manifesto antropófago. Revista de Antropofagia, ano 1, n. 1, São Paulo, 1928.
BARROS, J.B. A identidade dos gestores escolares negros. Rio Claro, SP, Unesp, 2006. (Dissertação de Mestrado). Disponível em:
http://www.athena.biblioteca.unesp.br/exlibris/bd/brc/33004137064P2/2006/barros_jb_me_rcla.pdf
BIDIMA, Jean-Godefroy. Da travessia: contar experiências, partilhar o sentido. Disponível em:
https://filosofia-africana.weebly.com/.../jean-godefroy_bidima_-_da_travessia._contar...
DELEUZE, Gilles. Conversações, 1972-1990. Tradução de Peter Pál Pelbart. São Paulo; Ed. 34, 1992.
BLACK PANTHER (Pantera Negra). Filme dirigido por Ryan Coogler. EUA, 2018.
EVARISTO, Conceição. Olhos d’água. Rio de Janeiro: Pallas Fundação Biblioteca Nacional, 2014.
FOUCAULT, M. Do governo dos vivos. Trad. Nildo Avelino. São Paulo: Centro de Cultura Social, 2009 (ebook).
FOUCAULT, Michel. O governo de si e dos outros. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010.



José Benedito de Barros: Mestre em Educação (Unesp/Rio Claro, SP, Brasil)

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