terça-feira, 13 de março de 2012

Conflitos na comunidade afrobrasileira: a conciliação como proposta de solução

(José Benedito de Barros)


O presente texto pretende propor a conciliação como forma principal de resolução de conflitos individuais e coletivos na sociedade em geral e, em especial, na comunidade afrobrasileira.

Conflitos interindividuais, intergrupais, intercomunitários, nacionais e internacionais... Isso não constitui novidade. Conhecemos a história da humanidade o suficiente para saber que os registros de conflitos e disputas foram e são uma constante.

Na Comunidade afrobrasileira não é diferente. São inúmeros os casos de conflitos internos, desde o tempo da escravidão até os dias de hoje. Quem não se lembra do Levante dos Malês (1835)? Segundo Reis (2003), os malês foram denunciados por rivais africanos igualmente escravizados. Isso acontecia constantemente nas fazendas do período escravocrata. Havia capitães do mato negros e até escravos libertos que tinham escravos.

No Movimento Negro contemporâneo os conflitos e disputas são uma constante desde o seu surgimento. Aprender a resolver estes conflitos adequadamente se constitui num grande desafio para todos do Movimento e da Comunidade afrobrasileira.

Para tratar do problema anunciado, propomos a seguinte sequência: apresentação do conceito de conflito; conflitos e disputas; e, por fim, a defesa da conciliação como processo construtivo de resolução de conflitos.

1. Conceito de conflito.
Segundo Azevedo (2011, p. 107-08), “O conflito pode ser definido como um processo ou estado em que duas ou mais pessoas divergem em razão de metas, interesses ou objetivos individuais percebidos como mutuamente incompatíveis”.

Para os objetivos deste texto, precisaremos adaptar a definição de Azevedo. Assim podemos dizer que ocorre conflito quando indivíduos ou grupos divergem em razão de projetos, objetivos, interesses, propostas, estratégias e táticas.

O conflito vira disputa quando as partes se confrontam para fazer valer o que defendem. Assim, há correlação entre os dois conceitos, a ponto de alguns autores entenderem que se trata da mesma coisa. Outros, entretanto, entendem que para haver disputa é necessário que haja um conflito, mas o contrário não é verdadeiro, pois há conflitos que nunca são explicitados, não se materializando em disputas.

2. Conflitos e disputas: Positivos ou Negativos?

Quanto ao significado alguns supõem que conflitos e disputas são coisas negativas e, portanto, devem ser evitadas ou camufladas. Outros, como Deutsch (apud Azevedo, 2011, p. 109), entendem o conflito (e a disputa) “como uma oportunidade de elevado valor social e pessoal”. Tudo depende do processo de resolução, que pode ser construtivo ou destrutivo.

3. A conciliação como processo construtivo de resolução de conflitos.


Há várias formas de se solucionar construtivamente um conflito ou disputa. Vamos mencionar algumas técnicas conciliatórias a título de ilustração.

3.1. Separar as pessoas do problema. É preciso deixar sentimentos pessoais, mágoas e rancores de lado e se concentrar no que interessa (verificar divergências e convergências quanto a projetos, propostas, ideias, etc.).

3.2. Foco nos interesses e não em posições. Às vezes as palavras não revelam adequadamente intenções e interesses. Assim, é preciso deixar claro o que cada um (indivíduo ou grupo) realmente quer, para tornar a conciliação viável.

3.3. Geração de opções de ganhos mútuos. Cada um pode listar os possíveis ganhos comuns e os próprios de cada um, para facilitar a solução.

3.4. Utilização de critérios objetivos. Culpar o outro pelos impasses, conflitos ou disputas, não faz avançar construtivamente o processo. É preciso ser objetivo: explicitar quais são os pontos comuns e os divergentes, utilizar dados estatísticos, informações fundamentadas em pesquisas, etc.

3.5. Melhor alternativa: a negociação de um acordo. Quando não há uma alternativa melhor, o melhor é negociar.

Palavras finais

Pensamos que a conciliação oferece técnicas adequadas para a sociedade em geral e a comunidade afrobrasileira a lidar com seus conflitos e disputas internas.
Acreditamos que as técnicas podem auxiliar a mapear os conflitos e disputas, separando as reais divergências e convergências das disputas meramente emocionais.

Cremos, entretanto, que a conciliação não irá resolver tudo. Principalmente quando estão em jogo princípios e projetos de sociedade. Um projeto que defende uma sociedade democrática, libertária, igualitária e solidária, baseada em valores multiculturais, respeitadora da diversidade étnica, cultural, etária, de gênero, etc., estará sempre em conflito e em disputa com um projeto de sociedade ditatorial, preconceituosa e discriminadora.

Entretanto, mesmo não resolvendo todos os problemas, é bom saber que disputas e conflitos não são necessariamente ruins, pois podemos aprender muito com eles, na medida em que nos esforcemos para isso.


Referências bibliográficas

AZEVEDO, A. G. Teoria do conflito e os mecanismos autocompositivos. In: Psicologia Judiciária. In: Concurso da Magistratura: Noções gerais de direito e formação humanística. São Paulo: Saraiva 2011.
REIS, J. J.. Rebelião escrava no Brasil: a história do Levante dos Malês (1835). São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

José Benedito de Barros. Mestre em Educação, Especialista em Direito Processual Civil, Bacharel em Direito. Licenciado em Filosofia. Advogado, Professor (Olùkó) de Língua Yorùbá (Africana), Diretor do Sintrajud – Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário da União, no Estado de São Paulo, Conselheiro do Comicin de Limeira – Conselho Municipal dos Interesses do Cidadão Negro. Membro do Movimento Ginga de Limeira-SP.

Contato: email: jbenebarros@yahoo.com.br – Blog: http://www.profjosebenedito.blogspot.com

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