Gestão das riquezas: o
empreendedorismo de Obará Meji
A ciência econômica trata da
produção, da circulação, da distribuição e do consumo de riquezas. Acumular
riquezas significa acumular poder. Assim, muitos buscam por todos os meios
possíveis obter riquezas.
A história da humanidade mostra
diversas formas para se obter riquezas: o trabalho, o presente, o roubo, a
sorte, a herança, etc. Seja lá qual for origem da riqueza, sua obtenção, sua
circulação, sua distribuição, seu uso e sua conservação exigem conhecimentos,
habilidades e atitudes de gestão ou administração.
Que conhecimentos,
habilidades e atitudes são necessários para adquirir, conservar e até aumentar
as riquezas? Que valores embasam a gestão, na perspectiva da construção de uma
sociedade igualitária, respeitadora das identidades e das alteridades?
Para compreender este tema à
luz da cultura afro-brasileira, faremos uma releitura de uma história sagrada
do povo yorubá, que hoje vive em alguns países da África, principalmente,
Nigéria, Benin e Gana. Trata-se de Obará Meji.
Dizem os nossos mais velhos (Babás e iyás) que no início de tudo, Olorum,
senhor do céu, ser supremo, criou dezesseis signos (odús) para gerenciar tudo o
que existe no mundo (Aiyê). Cada um desses odús recebeu um nome específico e
funções próprias de gestão sobre algum aspecto do mundo. Para liderar, cuidar e
orientar esses odús, Olorum designou o Oluô ou Babalaô, uma espécie de gerente
geral dos odús.
Conta-se que certa vez, 15 dos 16 odús foram à casa de Oluô, afim de
procurar os meios que os fizessem melhorar a sorte e fortalecer o poder de cada
um. O Oluô deu uma profunda aula de gestão para eles, mas nenhum deles levou a
sério as orientações do Oluô. Obará, um dos dezesseis odus, não se
encontrava no grupo na ocasião em que os demais foram consultar o Oluô. Sendo
ele, porém, sabedor do ocorrido, procurou saber que orientações Oluô deu para
os odús, apressando-se em fazer o que o que fora indicado, ou seja, o ebó
indicado. Determinado a mudar de vida, já que tinha uma vida financeira muito
precária, e aumentar seu poder, Obará, com afinco, fez o máximo que pode para fazer
o ebó determinado.
Naquele tempo havia um costume. Os 15 odús, de cinco em cinco dias, iam à
casa de Olofin (o rei), para consulta ao jogo (oráculo). Eles nunca convidavam
Obará, por ser ele muito pobre, tanto que olhavam para ele sempre com
menosprezo. Em uma dessas ocasiões, jogaram até altas horas, mas o jogo
mostrou-se muito obscuro, nada revelando do que o Olofin desejava saber. Dessa forma, resolveram se retirar, deixando
Olofin profundamente insatisfeito. Olofin, com desprezo, ofereceu uma abóbora a
cada um deles, e eles, para não serem indelicados, levaram consigo as abóboras
ofertadas por Olofin.
No caminho, porém, alguém se lembrou, apontando para a casa de Obará, de
fazer ali uma parada, embora alguns fossem contra, dizendo que não adiantaria
dar semelhante honra a Obará, pois ele era um homem simples, socialmente abaixo
deles, que nunca influía em nada.
Mas um deles, com uma visão mais compreensiva do ser humano, atreveu-se a
cumprimentar Obara Meji com estas palavras:
- Obará, bom dia! Como vai? Será que você tem comida
para mim e meus companheiros de viagem?
Obará, que era muito gentil e amável e recebia as pessoas muito bem, imediatamente
respondeu que entrassem e se servissem da comida que quisessem. Dito isso,
foram entrando todos, eles que já vinham com muita fome, pois estavam desde a manhã
sem comer nada na casa de Olofin.
Obará solicitou à sua esposa que fosse ao mercado comprar carne para
reforçar a comida que tinha em casa e, em poucas horas, todos almoçaram à
vontade. Depois, Obará os convidou para que se deitassem para um repouso,
pois estavam todos cansados, e o sol estava ardente. Mais tarde, eles se
despediram do colega e lhe disseram: - Fica com estas abóboras para ti. E lá se foram satisfeitos com a gentileza e a delicadeza do colega pobre
e, até então, sem valia. Mais tarde, quando Obará procurou por comida, notou que nada havia sobrado. Sua
esposa censurou por sua fraqueza e liberalidade, dizendo que ele tinha
querido mostrar ter o que não tinha, agradando aqueles que nunca olharam para
ele, e nunca ligaram nem deram importância ao colega.
Porém as palavras de Obará eram simples e decisivas. -Eu não faço mais
do que ser delicado aos meus pares, estou cumprindo ordens e sei que fazendo
estes obséquios, virá à nossa casa prosperidade instantânea.
Como a fome era grande, Obara resolveu comer uma das abóboras. Munido de uma
faca, tentou cortar a primeira, mas notou que estava muito dura. Insistiu nessa tarefa e surpreendendo-se com a quantidade de ouro e pedras
preciosas que havia dentro dela. Em seguida, abriu as outras abóboras, que também
estavam cheias de riquezas.
Obará comprou tudo que precisava, palácio e até cavalos de várias cores. Daí
que estava marcado o dia para todos os odús irem novamente à conferência no
palácio de Olofin. Como era de costume, já muito cedo, achavam-se todos no
palácio, cada um no seu posto junto a Olofin. Então, ouviram cânticos e toques
de tambores. Saíram para ver o que estava acontecendo e viram Obará com uma
multidão que o acompanhava fazendo a maior festa, tudo com muita alegria. De
vez em quando, Obará mudava de um cavalo para outro, em sinal de nobreza.
Os invejosos começaram a tremer e esbravejar, chamando a atenção de
Olofin, que indagou o que era aquilo. Foi então que lhe informaram que era
Obará. Então, perguntou Olofin aos demais odús, o que tinham feito com as
abóboras que presenteara a eles. Todos responderam que haviam jogado no quintal
de Obará. Disse então Olofin que a sorte estava destinada a ser do rico e
próspero Obará, o mais rico de todos os odús.
A história acima mostra que
Obará era gentil, acolhedor, generoso e disciplinado. Uma vez de posse das
informações e conhecimentos, ele parte para prática, de forma metódica, mesmo
com poucos recursos. Seus esforços são recompensados e ele consegue uma
transformação profunda em sua vida, tanto do ponto de vista material quanto
social.
Vocabulário:
Ayé, Àiyé: Aiê. Mundo, planeta terra.
Bàbá: Babá.
Pai.
Bàbáláwo:
Babalaô. Pai do mistério, do segredo. Sacerdote responsável pelo jogo
divinatório de Ifá (enciclopédia de todos os conhecimentos da cultura yorubá).
Ẹbọ: Ebó. Oferenda, sacrifício. Bọ
= alimentar.
Ifá: Ifá. Sistema
de consulta divinatória do povo yorubá que utiliza 16 coquinhos de palmeira,
visando acessar todo o conhecimento dessa civilização.
Ọ̀bàrà. Obará. Um dos odús de ifá.
Odù. Odú. Conjunto de signos do
sistema de Ifá que revela histórias em forma de poemas, que servem de
instruções diante de uma consulta.
Olófin: Olofin.
“Senhor da Lei”. Rei. Título utilizado também para designar o ser supremo.
Ọlọ́run. Olorun.
Senhor do céu. Ser supremo.
Olúwo:
Oluô. Senhor do mistério, do segredo. O mesmo que Bàbáláwo.
Ìyá: Iyá.
Mãe.
Fontes:
Beniste, José. Dicionário yorubá-português. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.
Beniste, José. Mitos yorubás: o outro lado do
conhecimento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.